Ode às minhas avós: um legado matriarcal
Lucas Aflitos
“Eu sou atlântica”
Beatriz Nascimento
Eu sou atlântica.
Sou o imenso oceano entre África e Brasil.
Sou o corpo escravizado, acoitado, remendado.
Sou aquele negro,
Aquela negra.
Sou aqueles com os pés no chão de terra batida.
Sou aquela negra que sobre a ladeira do morro com a lata d´água na cabeça.
Sou a mommy.
Sou aqueles sem nomes.
Sou a árvore genealógica que não se complementa.
Quem veio antes?
Quem são aqueles que carrego nas minhas entranhas?
Não sei.
O pouco que sei está impresso no poder matriarcal das mulheres negras.
Sou fruto desse legado.
Sou Elsa Lopes da Silva, bisavó materna;
Sou Maria Filomena Ribeiro da Cruz, avó materna;
Sou Jultiva Oliveira Aflitos, avó paterna.
Sou a elegância da bisa.
Sou o amor imensurável e a ironia de Filó.
Sou a doçura de Juju.
Na verdade, penso que sou.
Ainda me falta coragem para honrar o legado dessas matriarcas,
Que só sei pela minha visão do pouco que convivi.
Penso em seus medos, seus anseios, suas frustrações.
Penso em toda a vulnerabilidade delas disfarçados pelo mito da “mulher guerreira”.
Da força bruta em viver.
Dos abusos sofridos.
Dos arrependimentos.
Da certeza do caminho escolhido (?) através da família.
Filhos, netos, bisnetos...
A continuidade fluída
Sou o olhar apurado.
O fervor de suas crenças.
Penso que sou.
Sou a frustração de ter sido arrancado de suas vistas.
Gosto de pensar que elas me cercam e me protegem.
A ancestralidade é isso!
Uma imensa árvore genealógica em fragmentos,
Mas na certeza daqueles que vieram antes,
Estão por nós
Estão por mim.
Sou aquele que deita à sombra da árvore
Que aproveita o vento de Iansã
Sob o manto sagrado de Elsa,
De Filomena,
De Jultiva.
In Memoriam de
Elsa Lopes da Silva (falecida em 2002 “aos 80 e poucos”);
Maria Filomena Ribeiro da Cruz (falecida em 2011 “aos 70 e poucos”);
Jultiva Aflitos (falecida em 2020, aos 97 anos por conta da Covid-19).